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Emprego cultural em Portugal 2011-2019: perspetiva comparada entre Eurostat e INE

José Soares Neves, Ana Paula Miranda e Miguel Ângelo Lopes

Publicado a 24 de fevereiro de 2021

Neste texto atualiza-se a série estatística do emprego cultural em Portugal para 2019. Na anterior atualização (ver Neves e Miranda, 2020) deu-se conta das implicações da revisão da metodologia por parte do Instituto Nacional de Estatística (INE) para o ano de 2018. Uma vez que os dados divulgados pelo Eurostat e pelo INE apresentam diferenças significativas, e que isso levanta naturais dúvidas, impõe-se nesta atualização uma nova nota de método inicial, sintética, mas que permita avançar os aspetos centrais que explicam as referidas diferenças.

Assim, faz-se a abrir uma comparação entre os dados divulgados pelas duas instituições de estatísticas oficiais e apresentam-se elementos explicativos das divergências entre as duas fontes. Retomam-se depois os dados divulgados pelo INE de modo a detalhar o perfil social do emprego cultural em Portugal.

 

Nota de método sobre os dados do Eurostat e do INE

 

O Eurostat e o INE divulgam estatísticas do emprego cultural a partir da informação do Labour Force Survey (LFS, a nível da União Europeia) e do Inquérito ao Emprego (IE, Portugal). Note-se que, apesar das diferentes designações, se trata da mesma fonte. De facto, o IE é a fonte que o LFS utiliza para a produção de informação a nível europeu. Contudo, apesar disso, os dados disponibilizados pelo Eurostat e pelo INE divergem significativamente. O quadro 1 mostra os respetivos números e correspondentes diferenças para a série 2011 - 2019.

Quadro 1.png

Como se pode verificar os valores difundidos pelo INE são significativamente inferiores aos do Eurostat ao longo de toda a série observada. Assim, em 2019 serão 132,2 mil ou 167,4 mil os empregados nos sectores cultural e criativo em Portugal consoante se adote a fonte INE ou Eurostat, respetivamente. A diferença acentua-se, aliás, em 2019 quando atinge os 35,2 mil empregados. Esta diferença (em 2018 é de menos 29,2 mil) deve-se sobretudo ao aumento dos números apurados pelo Eurostat (mais 6,8 mil) e não tanto aos apurados pelo INE que incluem apenas mais 800 mil empregados face ao ano transato.

A que se devem as diferenças? Apesar de a metodologia ser a mesma, a explicação reside no detalhe de codificação das profissões e das atividades económicas por grupos e classes adotada no apuramento dos dados relativos a cada código.

Importa fazer três notas a este propósito. Uma é que deve ser tido em conta que as definições e as nomenclaturas em causa quanto ao emprego cultural (CPP – Classificação Portuguesa das Profissões e CAE – Classificação das Atividades Económicas) filiam-se em nomenclaturas internacionais (ISCO - International Standard Classification of Occupations e NACE - Statistical Classification of Economic Activities in the European Community, respetivamente) sendo equivalentes nos códigos e designações até aos 4 dígitos.

A segunda nota é a explicação principal das diferenças observadas. Devido à reduzida dimensão da amostra (número de indivíduos) incluídos no IE, os apuramentos só podem ser divulgados a 3-3 dígitos (3 dígitos da CPP: Classificação Portuguesa das Profissões e 3 dígitos da CAE- Classificação das Atividades Económicas). No caso de o apuramento ser, para profissões e atividades económicas mais detalhadas, isto é a 4-3 dígitos, os dados teriam associados coeficientes de variação elevados. 

Assim, na União Europeia existem cinco países (Dinamarca, Espanha, Grécia, Letónia e Portugal) em que os dados do emprego cultural são apurados para 3-3 dígitos e para os restantes é feito a 4-3 dígitos. Tendo por base os apuramentos dos países que têm informação com maior detalhe (4-3 dígitos, como referido), o Eurostat calcula coeficientes que aplica para estimar os dados do emprego cultural dos países com menor detalhe nas classificações, entre eles Portugal.

Nesta sequência, a terceira nota é que existem diferenças significativas entre países nos contingentes das várias profissões (ou grupos). As implicações em sectores com maior diferenciação profissional, mas com populações mais restritas, como é o caso do sector da cultura, é que a possibilidade de comparabilidade entre países pode sair prejudicada devido aos procedimentos estatísticos.

A tabela 1 dá conta dos códigos correspondentes às profissões culturais e criativas consideradas nos apuramentos do Eurostat (2019, a três e quatro dígitos) e do INE (apenas a três dígitos), em dois anos que correspondem a diferentes opções, 2018 e 2019 (a negrito). Como aí se pode observar, em 2019 o INE optou por não considerar os códigos 343, 252 e 731 porque, ao contrário do Eurostat, o nível de desagregação não permite um apuramento mais detalhado das profissões culturais existentes. Repare-se que o INE utiliza três dígitos de codificação (o subgrupo), ao passo que o Eurostat utiliza quatro (o grupo base), estimando assim para Portugal, os dados para os quatro dígitos. 

Tabela 1.png

Daí, portanto, as diferenças entre as duas fontes, uma com dados sobrerrepresentados, o Eurostat, porque incluirá profissões não culturais, e outra fonte com resultados sub-representados, o INE, porque não incluirá algumas profissões culturais.

As atuais divergências deverão ser resolvidas assim que o INE passe a codificar todas as profissões a quatro dígitos acompanhando assim a maioria dos países europeus.

Mas há ainda que acrescentar uma outra nota explicativa para o aumento do emprego estimado pelo Eurostat para Portugal e à diferença relativamente ao INE de mais 35,2 mil empregados (ver ainda quadro 1) que se verifica em 2019: é que, nesse ano, o coeficiente aplicado deixou de ter em conta os dados de um país de grande dimensão (populacional e no emprego cultural e criativo) como é o Reino Unido.

 

Perfil do emprego cultural em Portugal

 

Passando agora ao perfil do emprego cultural em Portugal (com base nos dados do INE), numa primeira análise podemos verificar que os números relativos à população empregada neste sector variam entre o mínimo de 104 mil em 2012 e o máximo de 132 mil em 2019. O número de 2019 significa um aumento de 20 mil trabalhadores face a 2011, o primeiro ano da série em análise, com 112 mil pessoas empregadas neste sector, e de mil face a 2018 (gráfico 1).

Grafico 1.png

Embora se verifiquem algumas oscilações no período em análise, constata-se uma tendência de crescimento até atingir, em 2019, o número mais elevado da série (132 mil, como se referiu antes). No conjunto dos anos considerados, a média anual de pessoas a trabalhar no emprego cultural é de 116 mil.

 

Noutra perspetiva, podemos verificar no gráfico 2 que a percentagem do emprego cultural no emprego total varia entre 2,3% (2012) e 2,7% (2019). Em 2015 e em 2018 situam-se dois picos da série (com 2,6% e 2,7%, respetivamente), sendo que neste último ano parece retomado o crescimento iniciado em 2012 e interrompido em 2016 e 2017, acompanhando aliás o crescimento do emprego total. 

Gráfico 2.png

Especificamente quanto ao emprego cultural, constata-se que os homens predominam em toda a série, verificando-se um abrandamento desta tendência no ano mais recente (gráfico 3). 

Gráfico 3.png

Tendo em conta a idade, verifica-se uma alteração quanto ao escalão que agrega o maior contingente de empregados: ao passo que em 2011 é o escalão 25-34 anos (com 34 %), em 2019 é o escalão 45 e mais anos, também com 34%. Por outro lado, os escalões 25-34 anos e 35-44 anos decrescem (menos 6 e menos 2 pontos percentuais, respetivamente). Em sentido contrário, nos restantes grupos etários evidenciam-se tendências de crescimento. No grupo dos 45 e mais anos, a percentagem de trabalhadores aumenta de 30% em 2011 para 34% em 2019, seguido do segmento dos 15 aos 24 anos, em que a percentagem de trabalhadores passa de pouco mais de 4% em 2011 para próximo de 8% em 2019 (gráfico 4).

Gráfico 4.png

Do ponto de vista da escolaridade é notória a tendência para o aumento no nível de qualificação superior, que passa de 49% em 2011 para 63% em 2019, em resultado da diminuição dos empregados com níveis de escolaridade até ao 3º ciclo que diminuem para menos de metade, de 28% em 2011 e 2012 para 13% em 2019 (gráfico 5).

Gráfico 5.png

Finalmente, do ponto de vista da região (2018, últimos dados disponíveis devido aos erros associados em algumas regiões) verifica-se uma forte presença na Área Metropolitana de Lisboa (AML), no Centro e no Norte (quadro 2). No conjunto estas três regiões representam 92% do emprego cultural, dos quais quase metade na AML (45%), 32% no Norte e 15% no Centro. As outras quatro regiões somadas (Alentejo, Algarve, R. A. dos Açores e R. A. da Madeira) representam apenas 8%. Deve destacar-se, ainda assim, a relativa diminuição do emprego na AML e o crescimento no Norte e sobretudo na região Centro. De facto, em 2011 as percentagens respetivas eram 52%, 31% e 8%,

Quadro 2.png

Nota metodológica:

O Instituto Nacional de Estatística (INE) recolhe informação sobre a população ativa e inativa desde a década de setenta, inicialmente com o Inquérito Permanente ao Emprego, realizado semestralmente no Continente. A importância crescente de novos domínios socias, a entrada na Comunidade Económica Europeia e a necessidade de comparar resultados entre países, impôs um aperfeiçoamento das estatísticas. Foram celebrados contratos entre o Eurostat e o INE de modo a compatibilizar o inquérito nacional com o comunitário Labour Force Survey – LFS. Assim, a partir de 1983 o inquérito passou a designar-se Inquérito ao Emprego (IE), com alterações ao nível da amostra, dimensão e questionário, a abranger todo o território nacional (Regiões Autónomas e Continente). O IE é trimestral, por amostragem, dirigido a residentes em alojamentos familiares no espaço nacional, O objetivo principal do IE é caracterizar a população quanto ao mercado de trabalho. Os dados têm como referência as estimativas da população com base no Censos (INE, 2016: 5-6; INE, 2020: 224).

Em 2012, o Eurostat adotou, no âmbito das estatísticas da cultura, a metodologia tal como consta no relatório da ESSnet (European Social Statistics net) Culture Statistics (Bina et al., 2012). Neste sentido, em 2018 a metodologia foi alterada (Eurostat, 2018: 11) e adotada pelo INE, que atualizou no volume Estatísticas da Cultura a série 2014-2018 (INE, 2019) e também, por solicitação do OPAC; o período 2011-2013 aqui publicado.

 

Empregado, “Indivíduo, com idade mínima de 15 anos, que no período de referência se encontrava numa das seguintes: a) tinha efetuado um trabalho de pelo menos uma hora, mediante o pagamento de uma remuneração ou com vista a um benefício ou ganho familiar, em dinheiro ou em géneros; b) tinha um emprego, não estava ao serviço, mas tinha uma ligação formal com o seu emprego; c) tinha uma empresa, mas não estava temporariamente ao trabalho por uma razão específica; d) estava em situação de pré-reforma, mas encontrava-se a trabalhar no período de referência.” (INE, 2011: 39).

 

Emprego cultural: inclui as profissões (CPP 2010) culturais nas atividades económicas culturais e não culturais (CAE Rev. 3), e as profissões não culturais em atividades económicas culturais.

Âmbito geográfico:

Portugal

Referências

Bina, Vladimir et al. (2012), ESSnet-Culture Final Report, Luxemburgo, ESSnet Culture e Eurostat.

Eurostat (2018), Guide to Eurostat Culture Statistics — 2018  edition, Luxemburgo, União Europeia.

INE (2020), Estatísticas da Cultura 2019, Lisboa, INE.

INE (2019), Estatísticas da Cultura 2018, Lisboa, INE.

INE (2016), Documento Metodológico Inquérito ao Emprego – 2016, versão 3.1, Lisboa, INE.

INE (2011), Documento Metodológico Inquérito ao Emprego – 2011, versão 2.0, Lisboa, INE.

INE (2011), Estatísticas da Cultura 2010, Lisboa, INE.

INE (2007), Classificação Portuguesa das Atividades Económicas, Revisão 3, Lisboa, INE.

Neves, José Soares e Ana Paula Miranda (2020), Emprego Cultural em Portugal 2011-2018, Lisboa,

      OPAC-Observatório Português das Atividades Culturais, CIES-Iscte.

Webgrafia

INE – Instituto Nacional de Estatística, <www.ine.pt>.

Eurostat, < https://ec.europa.eu/eurostat >.

Agradecimentos: a Teresa Saraiva (Instituto Nacional de Estatística) pela revisão na parte respeitante à metodologia da versão

                                 inicial do texto, sendo que a responsabilidade pela versão final é dos autores.

Como citar: Neves, José Soares, Ana Paula Miranda e Miguel Ângelo Lopes (2021), Emprego Cultural em Portugal                        2011-2019: perspetiva comparada entre Eurostat e INE, Lisboa, OPAC-Observatório Português das

                       Atividades Culturais, CIES-Iscte.

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